sábado, 1 de maio de 2010

MARILIA DESTACA O TRABALHO DE MARIA DA PENHA

Agência Estado | 15/03/2010

Para Maria da Penha, a brasileira que deu nome à lei 11.340, a qual coíbe a violência doméstica e familiar contra a mulher, só uma coisa pode ser pior do que a dor de ficar paraplégica e sofrer duas tentativas de homicídio, praticadas pelo pai das suas três filhas: a omissão do Estado.
"As duas violências foram muito graves, a doméstica e a institucional. Em ambas, me senti impotente. Mas não ver a quem recorrer é algo que deixa a pessoa muito frustrada, deprimida", desabafa a biofarmacêutica cearense, que lutou por quase 20 anos para ser contemplada pela Justiça - ainda que nos moldes brasileiros. Explica-se: seu ex-marido, Marco Antonio Heredia Viveros, foi condenado a dez anos e seis meses de prisão, mas cumpriu só dois anos em regime fechado. Hoje encontra-se em liberdade.

Maria enfrentou uma luta solitária contra a impunidade durante oito anos. Depois, buscou o apoio de ONGs . Até que, em 2001, 19 anos e 6 meses após o crime que a deixou paraplégica, conseguiu que a Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) acatasse, pela primeira vez na história, um caso de violência doméstica. "O Brasil foi condenado internacionalmente quando faltavam seis meses para a prescrição do crime."

Em 2008, recebeu uma indenização de R$ 60 mil do governo cearense, uma sugestão da OEA, instituição que a amparou depois que seu processo foi esquecido no Fórum de Fortaleza. Foi graças a sua insistência e determinação, portanto, que o seu caso não teve o mesmo desfecho do de tantas outras brasileiras (vivas ou mortas) cujos agressores são beneficiados pela omissão da Justiça, poder econômico e "brechas" da legislação.

Agora é bem fácil de entender por que Maria da Penha não se dá por satisfeita, apenas, com a existência da lei 11.340, que foi sancionada pelo presidente Lula em 7 de agosto de 2006, e cria mecanismos para punir agressões contra a mulher, no ambiente doméstico ou familiar. "Busquei a justiça que pensava que existia. Mas conheci um lado da Justiça que não funciona." Hoje, seu maior compromisso é batalhar para que a lei que leva seu nome saia do papel. Por isso, em novembro, fundou o Instituto Maria da Pena (IMP).

"O IMP foi criado para divulgar a Lei e monitorar a sua aplicação." Com sede em Fortaleza, sua cidade natal, o instituto já atua em Recife, onde há um alto índice de violência contra a mulher. "Pretendemos expandir o trabalho para outras capitais." Entre as ações, está a promoção de cursos para capacitar pessoas nas comunidades. "Queremos formar multiplicadores, para que localizem vítimas e as encaminhem para centros de referência, que vão cobrar do Estado a aplicação da Lei." Também quer criar o Observatório da Lei Maria da Penha, formado por núcleos de monitoramento, para acompanharem a aplicação da Lei, levando os resultados para a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) - órgão federal, com status de ministério.

"É importante que as mulheres apontem onde está a falha para que a Lei seja posta em prática", ressalta. "Por exemplo, se alguém denuncia à polícia o espancamento da vizinha, mas o policial vai lá e não prende o agressor, deve relatar isso." Num caso como esse, orienta, a pessoa deve ligar para o 180, serviço de atendimento à mulher da SPM, que funciona por 24 horas e permite ligações gratuitas, até do orelhão. "Tanto pode ligar para pedir a indicação da delegacia da mulher mais próxima, como para denunciar uma falha na aplicação da Lei."

EMBLEMÁTICA

Maria da Penha escapou da morte duas vezes. Na primeira, seu ex-marido, o então professor universitário e economista Marco Antonio Heredia Viveros, lhe deu um tiro de espingarda nas costas enquanto dormia. Para não ser responsabilizado pelo crime, simulou um assalto, versão que foi desmontada pela perícia policial.

Ela passou quatro meses hospitalizada, submetendo-se a várias cirurgias, entre Fortaleza e Brasília. "Não sabia que tinha sido ele que atirou. Tomei conhecimento desse boato por meio de uma amiga que foi me visitar no hospital. Na hora, não dei crédito, mas também não desconsiderei."

O ex-marido já tinha comportamento agressivo com ela e as filhas (na época, com 6, 5 e 1 ano e 8 meses), mas não imaginava tal atrocidade. Além disso, estava mais preocupada com seu futuro, pois corria o risco de ficar paraplégica, o que acabou se confirmando.

De volta para casa, numa cadeira de rodas, o ex-marido tentou eletrocutá-la embaixo do chuveiro. "Após esse episódio, minha família providenciou que eu saísse de casa, por ordem judicial. Se tivesse feito isso antes, poderia ser acusada de abandono do lar."

O que se seguiu a isso foi a luta de duas décadas para colocar seu algoz na cadeia, e também para dar conta da própria vida, numa cadeira de rodas, com três filhas pequenas para criar. Hoje, sexagenária, comemora a felicidade das filhas. "São mães, casadas, vivem bem. São o meu apoio."

Mantém uma agenda intensa de trabalho, na Associação de Parentes e Amigos de Vítimas de Violência (APAVV), onde é coordenadora, e no novo Instituto Maria da Penha. "Meu compromisso é dia e noite. Não deixo de pensar e de levar ideias para sermos uma referência nacional na aplicação da Lei", afirma ela, por celular, enquanto saía de uma das avaliações médicas às quais tem de se submeter, por causa das limitações físicas.

Perguntada sobre o sentimento que guarda em relação a tudo o que passou, responde, sem titubear: "O sentimento de muito compromisso com a causa. Não quero que uma mulher que tente sair da situação de violência desista porque não encontrou apoio."

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