sábado, 3 de outubro de 2009

Violência contra mulher, uma triste realidade

Ana Prado

Sábado à noite, os moradores de um prédio são apanhados de surpresa com gritos de desespero de uma adolescente que pede por socorro. O pai está trancado no quarto espancando a mãe. Atônitos, os vizinhos chamam a polícia e o serviço de atendimento de emergência. Quando os policiais chegam ao local se deparam com um cenário de terror. Objetos quebrados, o piso e as paredes do apartamento estão cheios de sangue. Do lado de fora, curiosos se aglomeram na porta do edifício, enquanto carros de polícia e ambulâncias ocupam a rua. Após as tentativas de diálogo e negociação com o agressor, a polícia arromba a porta do quarto e encontra uma mulher desmaiada e desfigurada, ela mal respira. Junto ao causador da agressão está o filho caçula do casal, um menino de três anos. O agressor ainda ofereceu resistência à prisão. A filha contou ao vizinho que os pais estão separados e o motivo da separação foi justamente a violência do pai.

A história acima não é nenhum enredo de filme sobre violência familiar. O fato aconteceu num confortável condomínio de classe média de Belém. Casos como esses dificilmente levam o agressor à cadeia. "As classes média e alta não costumam denunciar a violência doméstica, o assunto fica em família. As classes menos favorecidas vão mais à delegacia", afirma a professora Milene Veloso, do Departamento de Psicologia Social e Escolar, da UFPA. A professora atualmente coordena o "Programa de Atenção, Prevenção e Atendimento de Adolescentes e Mulheres Vítimas da Violência Doméstica", que funciona desde o ano 2000 e é financiado pelo Proint. O projeto foi idealizado pela professora Maria Eunice Guedes.

O objetivo do programa é resgatar a auto-estima da vítima de violência doméstica e ressocializá-la, além de fornecer informações jurídicas e apoio emocional. Desde março deste ano, até final de novembro, 119 pessoas já foram atendidas pelo programa. No início de 2003 será divulgado um relatório contendo todos os resultados de dois anos de atividades do programa, que se encerra este mês para novas demandas de atendimento.

As pessoas que são encaminhas para atendimento são oriundas do hospital "Bettina Ferro", delegacias especializadas, ONG´s, abrigos, entre outras entidades que atuam em defesa da criança, do adolescente e da mulher. Para Milene, a violência doméstica é causada em 90% dos casos por pessoas próximas à vítima. "Por isso, o mais difícil às vezes não é fazer a denúncia, mas mantê-la, porque na maioria dos casos, a pessoa agredida volta a morar debaixo do mesmo teto do agressor". Ainda segundo a psicóloga, o medo é um dos grandes problemas das vítimas, e isso ocorre porque o sistema de retaguarda que para o agredido é deficitário. "A Justiça é morosa e as audiências espaçadas, essa situação leva as pessoas a desacreditar do sistema".

Ela reconhece que houve melhoras no atendimento às vítimas de violência doméstica, mas o machismo ainda está bastante enfronhado na nossa cultura. No caso da mulher, ela passa por vários constrangimentos, que começam na hora de prestar queixa e vão até o momento do exame de corpo de delito. "Algumas mulheres atendidas por nós ouvem nas delegacias coisas do tipo: se apanhou, é porque é sem vergonha, se foi estuprada, é porque deu mole, entre outras frases que deixam claro que o machismo vai além do marido que agride a mulher por sentir dono dela, ele está presente e de maneira muito forte em todos os segmentos da nossa sociedade".

No Dia Mundial da Não Violência Contra a Mulher, comemorado em 25 de novembro passado, foi realizada em Belém uma caminhada promovida por entidades ligadas à defesa da mulher e Prefeitura Municipal de Belém. Entre outras reivindicações, o grupo pediu a criação de um Juizado Especial para atendimento de mulheres vítimas de violência física e psicológica. Esse juizado existe no papel desde 1996, mas nunca foi implementado.

A violência doméstica é um problema de saúde pública. A Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, uma entidade que recebe apoio da Fundação Ford, apresentou no último mês de novembro dados que soam alarmantes. Segundo o documento publicado no site da instituição, no Brasil cerca de 6,8 milhões de mulheres já foram espancadas pelo menos uma vez. Ainda segundo esse documento, "as vítimas de violência, em geral, convivem com o isolamento social e o silêncio; nessas condições, as mulheres se isolam e emudecem. Levam anos para buscar ajuda".

Embora o comportamento das mulheres tenha mudado e hoje ela já peça ajuda ao poder público e a entidades de combate à violência doméstica, essa problemática ainda está longe de ser superada. Para Milene, um dos motivos é a ausência de programas voltados para o atendimento ao agressor. "Muitas vezes a mulher vítima da violência consegue se separar, mas o ex-marido fica por ali, rondando, por perto. Existe um vazio nas políticas públicas voltadas para o agressor".


Saiba mais:

Programa de Atenção, Prevenção e Atendimento de Adolescentes e Mulheres Vítimas da Violência Doméstica: Departamento de Psicologia Social e Escolar, da UFPA. Informações pelo telefone (91) 211-1448;

Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos (http://www.redesaude.org.br/);

Sistema Interamericano de Direitos Humanos - Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher "Convenção de Belém do Pará" (1994):
(http://www.direitoshumanos.usp.br/documentos/tratados/oea/convencao_interamericana_para_erradicar _a _violencia_contra_a_mulher.html).


Planejamento para reformas curriculares já sendo elaborado

Cristina Trindade

A Universidade Federal do Pará caminha para a busca de sua identidade institucional. Com 45 anos de existência, considerada a maior da região norte, a instituição está às voltas com o planejamento global dos seus 197 cursos de graduação oferecidos na capital e interior do Estado, sob regime regular e intervalar. A proposta de construção de uma identidade institucional voltada para a região deverá ser obtida através da elaboração dos Projetos Pedagógicos dos Cursos de Graduação. O trabalho começou após aprovação da Leis de Diretrizes e Bases da Educação em 1996, quando o Ministério da Educação passou a lançar as propostas das Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação, visando a reformulação geral dos cursos oferecidos pelas Ifes.

O projeto pedagógico tem sua semente no ambiente interno do curso de graduação. Deve ser uma construção coletiva através de discussões que devem envolver a comunidade docente, acadêmica e administrativa. "O projeto pedagógico prevê atividades que transcendem a simples elaboração de grade curricular. Ele dá enfoque, a interdisciplinariedade, motivação, eixo temático e transdisciplinaridade. Deve definir o perfil profissional do egresso do curso, isto é, do profissional que se quer colocar no mercado de trabalho, as habilidades e competências que ele deve apresentar e o que o curso precisa desenvolver para atuar consonante as necessidades da nossa região", explica o professor Licurgo Brito, diretor do Departamento Didático Científico - DAC, responsável pelo assessoramento e acompanhamento das ações de ensino na UFPA.
Todos os cursos estão incluídos neste processo de reformulação, que aparentemente é lento. Mas deve-se levar em consideração que a própria Comissão de Especialistas do MEC ainda não definiu as propostas para a maioria dos cursos", complementa Licurgo.

O colegiado deve promover na comunidade do curso as discussões sobre as diretrizes curriculares nacionais e discutir também a concepção para uso local. Após a elaboração o projeto é encaminhado ao DAC para análise e parecer. Atualmente, os cursos com projetos pedagógicos já aprovados são Ciência da Computação ( foi o primeiro), Odontologia, Sistemas de Informação, Engenharia da Computação e Engenharia de Alimentos. Em fase de implantação estão os cursos de Comunicação Social, Medicina e Oceanografia. Estão em fase de formulação, sendo trabalhados os cursos de Biomedicina, Biologia e Agronomia e Medicina Veterinária, oferecidos nos campi de Altamira e Marabá.

Para a professora Laélia Feio Brasil, coordenadora do Curso de Medicina, a maior contribuição do curso para a formação da regionalidade da instituição é a inserção do aluno de medicina já a partir do 2º semestre do curso na comunidade. "Pode parecer precoce, mas, de acordo com nosso novo modelo político pedagógico, o aluno desde cedo deve conhecer as reais necessidades da população amazônica na área da saúde". Queremos despertar, o quanto antes, o compromisso deste futuro profissional com a comunidade. Neste primeiro contato, o aluno pode desenvolver atividades como censo da saúde, fazendo levantamento de dados antropométricos, nível de escolaridade, aleitamento materno, doenças crônicas e aquelas próprias da nossa região", exemplifica. Outro avanço considerado significativo pela coordenadora é que "o nosso projeto oferece um modelo menos centralizado nos hospitais e mais voltado para a comunidade O projeto investe ainda maciçamente na capacitação docente. O curso continua com seis anos de duração, o estágio hospitalar obrigatório será de dois anos, mas já nos primeiros quatro anos o aluno entrará em contato com a comunidade. Todas as ações voltadas para a comunidade previstas no projeto pedagógico serão desenvolvidas no Distrito do Guamá

O curso de Ciência da Computação também já está com seu projeto aprovado. De acordo com a professora Carla Lima, atual coordenadora do curso " o currículo foi discutido com base na orientação às Diretrizes Curriculares do MEC, mas a proposta adequou-se também ao Currículo de Referência da Sociedade Brasileira de Computação - SBC, como ainda às diretrizes da Proeg/UFPA".

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